Na boca do caixa

Extrato diário da vida de um bancário, direto da Faixa de Gaza.

27.7.06

O relógio atômico do caixa

Quando há a falta de um caixa em uma agência geralmente ela se socorre de caixas-volantes, cuja função é ser coringa nestas horas e cobrir a falta dos outros colegas. Dos vários que passaram por lá este ano, um deles se gabava do seu caixa sempre fechar, com diferenças irrisórias. Dizia ele, orgulhoso: meu caixa é um reloginho, sempre fecha perfeitamente!
Como ele gostava de comparar tudo o que fazia com os demais para demonstrar o quanto era eficiente, tinha horas que não dava pra aguentar. Numa sexta-feira, o último dia em que ele ficaria na nossa agência - tragédia - o caixa dele deu uma diferença de dez reais. Bicho, nunca vi um cara tão desesperado atrás de uma diferença, só faltou acionar a Interpol.
Depois de quase uma hora atrás da tal diferença ele desiste, deixando a bola na marca do pênalty para mim: pois é, acho que o teu reloginho atrasou dez reais hoje... eheheh.
Lembrei do cara porque hoje, depois de vários dias sem diferenças, o meu reloginho atrasou vinte reais... triiiiiiiimmm!

Dor de homem sovina

Os caras chegam sempre sisudos, não parecem muito convictos do que irão fazer até chegar ao caixa e pedir: Quero fazer um depósito na conta da fulana, geralmente uma caderneta de poupança, o que é um indício forte.
Aí você olha para o ciclano e ele, vacilante, parece não querer largar o dinheiro, até que cede e geralmente larga um comentariozinho: é... pensão é a única cadeia certa neste País. Ou outra, contrariada: o cara trabalha e ainda tem que sustentar uma dondoca #@&$*! Tem a engraçada, que um cara uma vez lascou: esse é o auxílio-ricardão - eu trabalho e ela está lá, com outro...
Mas não dá para se solidarizar, não com o valor das "pensões" (geralmente frações de um salário mínimo) que dariam talvez para suprir as necessidades alimentares de um cachorro, dos pequenos. Imagina se tem filho na parada... putz, coitados!

23.7.06

O torresmo possível

Cara, a crise tá braba. Sabe o que é os bodegueiros da região virem pagar uma pilha de títulos de fornecedores protestados em cartório? Ou o cara pegar a maior fila no caixa para sacar menos de cinco reais?
A vida está dura, mas o sinal mais evidente é a quantidade de pessoas que estão assaltando até o Buda da estante para fazer depósitos e pagamentos com grandes volumes de moedas. No último dia 10, movimento grande na agência, uma professora chegou ao meu caixa e, quando vi ela erguendo uma sacola de supermercado com os dois bracinhos e largando no meu guichê, quase caí para trás. A sacola estava até a metade com moedas de todos os valores, muito bem misturadas...
- Moço, eu quero fazer um depósito.
- A senhora poderia ao menos separá-las por valor para facilitar a contagem?
- É que sou professora, estou no meu horário de almoço e dou aulas no município vizinho. Vocês não têm aquelas máquinas que contam moedas?
- Temos sim (mostrei meus dedinhos para ela). Olha, eu terei que fazer este depósito amanhã, hoje será impossível porque não posso parar de atender a fila para contar estas moedas todas. A senhora não pode passar outro dia para pegar o comprovante? A propósito, quanto tem aqui nesta sacola?
- Ah, nem tenho idéia, acho que tem uns duzentos reais (que maravilha isto, na realidade tinha quase trezentos reais).
Na sexta foi a várzea: além do cidadão fazer o seu depósito em moedas, ele ainda acondicionou elas em várias trouxinhas de jornal velho. Que dureza. O povo na Faixa de Gaza está fritando merda para comer torresmo...

20.7.06

Neurônios colorados em ação

Em pleno meio dia, a agência absolutamente vazia, eis que chega o cara olhando para os lados para se certificar que não haveriam testemunhas, e pede, todo constrangido: eu preciso desbloquear o meu cartão ali na máquina, apontando para a sala de auto-atendimento.
- Pois não, respondi, é só chegar aqui para desbloquear a senha.
- Tu não está entendendo... é que meu cartão está bloqueado dentro da máquina...
Como - pensei comigo mesmo - se os terminais possuem fendas onde o cartão é apenas passado?
Então ele explicou: ontem, após o jogo (Internacional x LDU), eu estava - gesticulou com a mão como se tivesse entornado todas - e tentei sacar o dinheiro de madrugada, só que enfiei o cartão na fenda onde saem os extratos impressos e não consegui pegar o meu cartão de volta.

Dãããã! Bem diz o ditado que quem nunca comeu mel quando come se lambuza. Deixa estar que o Libertad haverá de sacramentar a contradição de um time que de só tem internacional no nome...

19.7.06

O Mapa da Faixa de Gaza

clique para ampliarPara tirar quaisquer dúvidas dos internautas sobre a exata localização da Faixa de Gaza preparei um mapinha que me pareceu assaz interessante: a Faixa de Gaza forma um perfeito retângulo (um Retângulo das Bermudas?) na Zona Norte de Porto Alegre. Não é uma maravilha?
Vamos conhecer os vértices deste retângulo:
A) o ponto "A" começa lá no Viaduto Obirici, na fronteira entre o Passo da Areia com a gloriosa Vila do IAPI;
B) o ponto "B" fica no limite entre a Chácara das Pedras com a famosa Vila Bom Jesus, na Protásio Alves quase esquina com Av. do Forte;
C) o ponto "C" fica nas proximidades da FIERGS, nos confins do Bairro Sarandi (ou Sarandirú, para os íntimos);
D) o ponto "D" fica no fim da Av. Baltazar de Oliveira Garcia, em pleno coração do Bairro Rubem Berta, já adentrando o município de Alvorada. Uma beleza.
Quem acompanhar os noticiários verá que sempre que ocorrem assaltos à Banco, pelo menos um deles marca sua presença na Faixa de Gaza, que não é pequena.

15.7.06

Quando o saco explode

Eu me considero um cara que tem um pavio de 3 kilômetros, mais ou menos, mas existem pessoas que diminuem bastante esta medida. Eu sei que trabalhar com público exige uma dose cavalar de paciência, mas ontem uma senhora chegou bem perto de estourar o meu saco. Sabe o que é somar 3 vezes uns 40 documentos, o valor dar igual nas 3 vezes e a tia contestar? O pior é autenticar todos estes 40 documenos e no final ouvir uma insinuação do tipo: ah, se der diferença no teu caixa eu saberei hoje ainda, não?
Em outras palavras, se tu me sacaneou nesta tua soma hoje ainda vai sobrar dinheiro no teu caixa, né?
Contei até 10, 20, respirei fundo e desejei bom fim de semana para ela sumir da minha frente, já que era a última da fila.
Lembrei-me desta história contada por outro colega, digamos, um tanto impaciente. Uma senhora não conseguia repetir duas vezes sua senha sem errar numa determinada operação que exigia esta repetição. Depois várias tentativas infrutíferas, a fila espichando, o caixa se irritou com ela e detonou o rock´n roll: A senhora sabe porque uma cachorrinha foi o primeiro animal enviado ao espaço? Não, porque? Porque ela era capaz de apertar uma seqüência de 4 botões sem errar, coisa que a senhora não consegue!
Imagine o rolo...

13.7.06

Um parafuso a menos, uma arruaça a mais

Numa tarde um tanto tumultuada, uma senhora loura com seus 60 e tantos anos evidentes, fez um tumulto enorme porque a porta havia acusado o porte de metal, que ela negava categoricamente. Isto não é nenhuma novidade. A tia louca ficou uns 10 minutos bradando impropérios contra a porta, o banco, a mãe do segurança, enfim, sobrou para todo mundo.
Insatisfeita ainda com a pouca atenção da platéia, ela ameaçou tirar a roupa numa próxima oportunidade, o que deixou-me particularmente perturbado com a visão aterradora e prontamente dei a atenção que ela queria. Perguntei se ela não portava nenhum objeto metálico, por mais inofensivo que fosse. Perguntei se ela não tinha implantado no corpo algum parafuso, pino ou prótese metálica e então caiu a ficha: Ah, eu tenho uma prótese metálica na arcada superior, apontando para o lado direito do nariz.
Pensar que é bom, não dói, né? Pensei comigo mesmo. O engraçado foi o que o segurança me disse depois. Na semana anterior uma moça, como diria o David Coimbra, bem fornida nas carnes, fez uma ameaça similar na fila antes da porta giratória. Só que a moçada não deixou a bola quicar e exigiu na hora: tira, tira, tira...

11.7.06

O guia genial dos bancos

Você já entrou numa agência bancária e se perguntou porque existem vários guichês desocupados enquanto a fila é quilométrica? Ficou sem entender porque certos bancos simplesmente se negam a receber contas de água, luz e telefone? Por quê é tão difícil falar com alguém nos serviços de atendimento bancário por telefone? Simples. A palavra lucro responde a estas e outras questões. Os bancos cada vez empregam menos pessoal e querem cada vez mais que os clientes (os não VIP´s) prescindam do atendimento de funcionários para reduzir custos e maximizar lucros. As filas quilométricas são propositais, a fim de inibir o cliente de utilizar este serviço e forçá-lo a alternativas que sejam menos onerosas aos bancos. As operações pela internet, por exemplo, jogaram os custos dos bancos lá no chão (Folha de São Paulo - 05/06/2006)
O engraçado é que muitos bancos cobrem total ou quase totalmente seus custos com pessoal apenas com as tarifas bancárias. Sabe aquele extratinho que é debitado? Aquela tarifinha para utilizar um serviço qualquer? Elas cobrem a folha de pagamento de grandes bancos privados (Dieese - pág. 5) e, em alguns casos, ultrapassam e muito a despesa com pessoal.
Pelo visto não é à toa que lucro e logro têm uma mesma raiz etimológica no latim lucrum.

6.7.06

Cuidado com as falsas impressões

Você está em um estabelecimento qualquer, pegou o que queria, usou dos serviços que queria e chega a hora fatídica de honrar "la dolorosa". Você dirige-se a um caixa, saca sua grana e a entrega para o sujeito que olha para as cédulas, olha com mais atenção para um detalhe qualquer e lasca: esta cédula é falsa.
Um arrepio de aflição corre na espinha, você pensa: qual será o cretino fdp que me sacaneou com esta nota falsa? Enquanto isto, o caixa olha para sua cara com aquela expressão: então, cretino fdp, você pensou que iria me sacanear? Situação difícil, já passei por isso uma vez quando era um leigo no ofício bancário.
Como existem cretinos fdps que andam derramando cédulas por aí (principalmente de 10, 20 e 50) e todos os dias aparece uma pessoa micando com uma cédula na mão, aí vão algumas dicas:
1) não se preocupe tanto com a aparência gráfica da cédula, elas geralmente são escaneadas ou fotocopiadas e, a não ser pela tonalidade, muitas vezes se parecem com as originais. Procure compará-las com outras para notar a discrepância de tonalidade;
2) o grande furo dos falsários está no papel, que geralmente tem textura e espessura muito diferentes das notas verdadeiras, manuseie o papel e compare com outras cédulas;
3) a cédula falsa é lisa como a bunda de um nenê - como a impressão da casa da moeda é em relevo, as cédulas de papel têm uma textura que é perceptível quando você passa os dedos sobre a parte impressa, notadamente as linhas horizontais paralelas impressas na frente da efígie da república, passe sua unha ali e verás que tem relevo;
4) continua com dúvidas? Vá para os detalhes. Lembre-se que muitas vezes os portadores destas cédulas falsas são vítimas de falsários, portanto não julgue-as, oriente-as a entregar estas cédulas em qualquer banco para que sejam encaminhadas ao Banco Central para perícia;
5) o mais importante: se você recebeu uma cédula dessas... não passe adiante, é crime. Passar a cédula consciente da sua falsidade não fará você acertar na mega-sena como o Lázaro Ramos em "O Homem que copiava", fará você tocar piano numa delegacia de defraudações. Fique esperto.