Na boca do caixa

Extrato diário da vida de um bancário, direto da Faixa de Gaza.

2.3.07

Seguindo adiante

Há quinze meses comecei a trabalhar numa área completamente nova para mim. Neste caminho, confrontei-me com a dura arte de trabalhar com pessoas, na melhor e na pior acepção do termo. A ansiedade apontou o caminho da escrita como forma de expiá-la e dar àqueles que esperam e que sofrem do outro lado do balcão uma pequena visão da alegria e da dor de ser bancário.

Mas tenho outros sonhos e agora corro para eles. Vou me dedicar aos estudos da minha área e buscar novas perspectivas. Mas não vou de mãos vazias, levo comigo toda a amizade e o respeito dos colegas de jornada que ficam. Levo também a experiência rica de lidar com pessoas, experiência que mais adiante, na sala de aula, haverá de ser útil para mim.

Aos leitores deixo o agradecimento pela paciência, pelo carinho e pelas contribuições que deixaram. Obrigado, de coração.

Meu nome é Marco, trabalhei 458 dias como caixa do Banco do Estado do Rio Grande do Sul em Porto Alegre.

22.2.07

Depois das cinzas de carnaval

Voltar a trabalhar após alguns dias de descanso tornam a jornada bem mais light, parece bem mais tranquilo do que na véspera da saída de férias. Só o que mudou na agência (e pelo que colhi de outras agências também) foi o humor da tropa. É que no lugar do complemento de PLR (participação nos lucros e resultados) que seria para todos e que não veio, foi distribuído um valor referente à renda variável (ganho de produtividade) apenas para o setor de negócios das agências. Na minha, por exemplo, somente 3 colegas receberam. Aí os outros ficaram se perguntando se o seu trabalho representava alguma coisa para o resultado do banco... Eu nunca tinha visto colegas com 15, 20 anos de banco (e que não eram da área comercial) tão desmotivados e revoltados com a discriminação que sofreram.

7.2.07

Me caiu os butiás do bolso

No ano passado, diante de todo o arrocho salarial, o povo resolveu fazer uma mobilização na campanha salarial como há muito tempo não se via. Agências paradas, braços cruzados, passeatas e o escambau. Depois de muita peleia veio o acordo, no qual havia uma cláusula que, em suma, garantia R$ 1 mil a cada bancário caso a rentabilidade atingisse 15% sobre o ano anterior. Como no terceiro trimestre do ano passado já havíamos atingido 15,6%, era só manter o ritmo e partir para o abraço.
Pois hoje foi divulgado o resultado do ano e inacreditavelmente foi apurado apenas 2,8%. Uma mágica contábil evaporou a rentabilidade do Banco justamente quando estão querendo passar ele nos cobres...
O pior é que o sindicato calculou que deveremos receber a bagatela de R$ 86,65 que mal dá para comprar um Rambone. Que vida f... esta de bancário.

5.2.07

Está logo ali na frente...

Fim de feriadão, segunda-feira, 2º e 3º dias úteis acumulados das aposentadorias e, para ajudar, pane total na comunicação inter-agências. Ninguém conseguia fazer nada ou levava muito tempo para conseguir. Tempo que não tínhamos para desperdiçar. Durante minhas 497 autenticações de hoje cheguei a me aborrecer com esse quadro de horrores mas então lembrei de uma professora que tive há uns dois anos atrás.
Ela disse que o que nos move, mesmo diante da adversidade, é a perspectiva de vida. Quando temos perspectiva sabemos para onde ir e temos ânimo de continuar. Então me lembrei que dentro de uma semana estarei em merecidas e aguardadas férias. É verdade que serão minguados dez dias, mas ainda sim serão degustados minuto-a-minuto. Chega, sexta-feira, chega logo...

1.2.07

Assim caminha a humanidade

Era quase meio-dia, tudo fluindo apesar do movimento, quando entraram duas meninas com uns 13-15 anos de idade, conversando alto. Apesar daquele blá-blá-blá contínuo, continuei com a minha cabecinha abaixada trabalhando. Eis que elas foram ao caixa do meu colega que as atendeu brevemente e, ao vê-las sair, perguntou boquiaberto: tu ouviu o que essas gurias estavam falando?
Respondi: não, porque?
Olha só o diálogo: menina 1: o meu macho me pegou ontem e fez assim-assim-assado, depois me pegou por trás e fez de tal e tal forma, etc.
menina 2: o meu homem me pegou na semana passada e fizemos assim...
Olhamos um para a cara do outro, quando chegou um terceiro que vinha da rua e lascou: vocês nem sabem o que aquelas gurias estavam conversando... O que elas disseram? perguntamos em coro.
A festa ontem estava ruim porque só tinha cueca (sic). Não tinha nenhuma menina para a gente meter a mão...

Cara, onde este mundo vai parar?

Um ambiente nada romântico

Já falei das loucuras que ocorrem nos últimos dias do mês? Pois hoje tivemos ainda a sorte de ter um apagão em quase toda a "Faixa de Gaza". Do Obirici à Alvorada entre 10:45 e 12:20 ficamos sem luz e como hoje em dia tudo é informatizado, ficamos à mercê das baterias do no-break que apitavam anunciando o fim-do-mundo. Para poupar bateria desliga-se tudo o que não é essencial no funcionamento da agência, mantendo somente os caixas autenticando, antes que o computador dê o seu último suspiro.
Para ajudar houve dois agravantes: primeiro que a principal entrada de ar da agência é por meio dos aparelhos de ar condicionado (que se desligaram), segundo é que a porta giratória começou a enlouquecer e apitar sem parar. Depois do meio-dia a neurose era autenticar correndo, suando e com um zumbido estridente nos ouvidos...
Hoje deu para ver o quando a tecnologia nos deixou dependentes da eletricidade e o quanto a falta dela afeta o humor das pessoas.
Ainda pela manhã um senhor negro com uns 50 anos entrou indignado porque teve que tirar o cinto das calças para passar na porta. Depois que ele bateu boca com o segurança, tentei aliviar a tensão explicando que em função da região ser muito violenta a porta precisava ser sensível e que isto não tinha nada a ver com discriminação racial, etc. Ele olhou para mim e disse: eu conheço a região e entendo isto. Mas aquele guardinha não gosta de negros e eu sei porque: deve ter um negão agarrando a mulher dele!

31.1.07

Da série "Tipinhos Incríveis" I

Hoje chegou ao meu caixa um cara que todos os meses se apresenta para pagar suas contas de forma organizada. Você não entendeu o que significa a palavra "organizada" neste contexto. Ele é administrador de empresas e chega com a camisa abotoada até em cima e traz suas contas todas discriminadas numa folha de ofício escrita à mão. Detalhe: além de discriminar o valor das suas contas (umas 15) ele discrimina o valor exato que quer levar em dinheiro, listando exatamente com o que pretende gastar o dinheiro, tipo assim: tantos reais para ração para os cachorros, tantos reais (com centavos) para o remédio tal, etc.
Na realidade eu admiro aqueles que possuem um senso de organização que facilitem sua vida mas acho que neste caso o lance é mais patológico. Coisa de contador tarado. Ele parece aquele personagem de um seriado que atualmente passa na Record nas sextas à noite, chamado Monk. O cara é um investigador que sofre de TOC (Transtorno Obsessivo Compulsivo) e não perde nenhuma oportunidade de manifestar esta doença.

Da série "Tipinhos incríveis" II

Tem um cidadão que vêm frequentemente ao banco, tipo 2 ou 3 vezes por semana. Bate o ponto mesmo. Mas tem uma particularidade: sempre, seja pela manhã ou pela tarde, este senhor está com um palito de dentes no canto da boca, sempre. Aquele palito dançando pela boca de forma obscena dá uns calafrios na espinha, mas este não é o problema. Ele sempre esquece a senha do cartão e fica bronqueando com o banco. Já está na 8ª via do cartão solicitado e não adianta, ele sempre esquece. Vou sugerir a ele que grave sua senha no palito de dente, aí não terá erro.

27.1.07

Comendo contra o relógio

Ser bancário tem uma particularidade interessante: quando você precisa ir à um banco, não pode ou tem que sacrificar o almoço para isso. Não é irônico?
Por falar em almoço, você sabia que o pessoal que, de fato, cumpre jornada de 6 horas tem apenas 15 minutos de almoço? Já imaginou você chegar no restaurante e devorar a comida em menos de 15 minutos e voltar correndo para o trabalho?
Bem, como o escravo aqui trabalha mais que 6 horas, tem o direito de fazer um intervalo de cravados 60 minutos. Considerando que no bairro em que trabalho não existem restaurantes decentes (no único das redondezas em que botei os pés tive que disputar o controle do meu prato com as moscas que queriam levá-lo), preciso me deslocar uns 3 Km em direção à civilização para poder encher minha barriguinha com satisfação. Então sobram uns 30 minutos para esta barbárie e, se precisar dar qualquer outra volta, o almoço dança, como ocorreu hoje.
Cheguei de volta varado de fome, sabendo que teria que aguentar mais umas 4 horas de jornada à base de café doce, água mineral e um punhado de balas-de-batuque (aquelas de sabor mel) que um bodegueiro amigo das vizinhanças deixou de brinde.

Mais um dia de cão

Terminamos o atendimento ao público e começamos o trabalho de retaguarda quando fomos surpreendidos com a informação da polícia de que havia um veículo com quatro elementos que, de acordo com o grampo telefônico, iriam fazer um saque à mão armada na nossa agência! Foi uma loucura autenticar tudo e despachar todo o dinheiro que tínhamos em nosso poder para o cofre antes que os visitantes chegassem. Os vigias colocaram um balcão dentro da porta giratória para impedir uma entrada triunfal mais fácil, mas mesmo assim a agitação impregnou o ar. E, para ajudar, não bastasse a fome, o medo do assalto, as dívidas para pagar e o cansaço, apareceu uma diferença de 80 pilas no meu caixa... Todos os palavrões da língua portuguesa foram lembrados no momento em que vasculhava as possibilidades de erro. Somei tudo, vasculhei minha fita de caixa e nada. Já me preparando para relaxar diante do estupro iminente, abro o saco onde guardo minhas moedas e vejo cair no chão um punhado de cédulas dilaceradas (rasgadas) que totalizavam... 80 reais. Que dia maravilhoso, meus amigos, que dia.

18.1.07

Ondas que afogam

Desde os anos 90, quando as ondas de fusões, aquisições e privatizações tornaram o mercado bancário no país extremamente concentrado, a categoria bancária vive em sobressalto. Isto porque além da modernização tecnológica que já desempregou centenas de milhares de trabalhadores, estes processos resultam quase sempre em enxurradas de demissões e fechamento de agências. Tudo em nome da eficiente maximização dos lucros.
Na semana passada foram dois grandes bancos privados, agora a navalha brilha no RS. O engraçado é que as promessas da campanha da eleição passada parecem pegadinhas do Faustão: exatamente o que se negava "peremptoriamente" está sendo cumprido à risca.
Nuvens carregadas cobrem o horizonte da categoria mais uma vez...

16.1.07

Tempo de esperar, tempo de punir

Hoje foi um dia tedioso, quase jogamos dominó nos caixas. Mas ontem, não. Nas segundas-feiras os bodegueiros de toda a região pagam fornecedores, o pessoal que largou cheque-atleta (aqueles em que corremos ao banco para cobrir seu fundo) durante o fim-de-semana e outros desocupados chegam aos borbotões. Alguns estúpidos também. Ao chegar na triagem da porta giratória, um senhor de uns 70 anos pede para ir na fila dos idosos, passando à frente dos que estavam fora da agência mas, estando lá dentro, acha melhor furar a outra fila. O vigia pede que ele respeite a ordem de chegada e fique na fila dos idosos. O estagiário faz um apelo semelhante e ele lasca: "não saio daqui, daqui ninguém me tira". Então tá.
Estava atendendo a fila do furão e, quando chegou sua vez, pedi: "o senhor poderia aguardar um minutinho?" e saí dali. Primeiro fui falar com um colega sobre como estava o mar no sábado, quão limpa e gelada estava a água na praia naquele fim-de-semana. Fui então ao banheiro e, após fazer o indispensável, fui falar com outro colega para discutir um assunto qualquer. Peguei então um cafezinho e, ao saboreá-lo, comecei a pensar sobre a origem do universo e a natureza humana. Depois de uma profunda reflexão de uns 10 minutos, lembrei-me do idiota da fila e fui então na sala onde estão os monitores das câmeras de vídeo interno para ver a cara dele e como seria a melhor expressão facial da impaciência. Voltei então ao caixa em "slow motion" para não me estressar e, como já havia chegado a vez do sujeito na fila dos idosos, ele acabou sendo atendido no tempo adequado.
Mais tarde, ao relatar o ocorrido ao gerente e pedir um conselho sobre como proceder, ele disse o seguinte: "nós não podemos nos negar a atender este tipo de pessoa, mas atenda ela bem devagar..."
Tive aquela sensação bacana do dever cumprido.

3.1.07

O mais longo dos dias

As pessoas mal-informadas fazem como as que, na sexta passada, em pleno recesso bancário determinado pelo Banco Central, reclamavam que o banco não abriria naquele dia. As comodistas não. Estas fazem como as milhares que deixaram para a última hora (algumas o último minuto) para pagar seu IPVA e o IPTU com desconto ontem. Elas pagaram mais do que o tributo, pagaram os seus últimos pecados, com multa.
O pior é que não adianta advertir. Na semana passada eu falei para diversas pessoas: "não venha na terça que será um inferno", mas não adiantou. O povo esperou de 1 a 2 horas na fila, isto porque a fila da minha agência, que é pequena, foi das menores. Soubemos que agências maiores terminaram seu expediente depois das 22 horas... Mais uma vez o dito popular não falhou: "quando a cabeça não ajuda, o corpo (literalmente) padece".
O lado positivo foi que, apesar do horror, fechamos os caixas sem erros e terminamos tudo às 19 horas, sem infartos.

26.12.06

(Quase) tudo é relativo

Em 1938, Albert Einstein afirmou em um artigo que "Quando um homem senta ao lado de uma bela garota durante uma hora, parece que não durou mais que um minuto. Mas quando ele senta sobre uma grelha quente por um minuto, parece que durou mais do que qualquer hora. Isso é relatividade."
Agora imaginem a cena: primeiro dia útil depois de um feriado de Natal, ao meio dia o tempo de espera em torno de 20-30 minutos, chegando a 60 minutos perto das 16 horas. É de chorar, não?
Pois pelas 15:30 um jovem casal chegou na fila no maior amasso, só-love-só-love até chegarem finalmente ao caixa do meu colega. A moça queria sacar uma quantia em dinheiro com um cartão magnético de um outro banco - óbvio que não foi possível. O cara queria pagar um título de outro banco com um cheque de um terceiro banco, o que também não era possível. Pensei: as criaturas ficaram todo este tempo na fila sem necessidade nenhuma, agora vão montar num porco e fazer a maior esparrela. Surpreendentemente os dois acharam graça do causo e saíram abraçados da agência.
Moral da história: se tiveres que encarar fila braba, arrange um osso para roer enquanto espera...

24.12.06

É Natal, é Natal

Nesta época do ano, quando os espíritos se elevam em direção aos shopping centers, os bancos são assolados por hordas de consumidores que não vêem a hora de torrar o 13º em alguma bugiganga ou quitar suas dívidas o quanto antes.
Na segunda-feira recebi um punhado de cartões de natal do banco com a instrução de entregá-los aos clientes da agência pois não haveriam cartões suficientes para entregar a todos. Meio-dia, agência vazia, atendia eu um correntista quando, ao final, desejei feliz natal e entreguei um dos cartões que possuía. Atrás dele chegou um senhor idoso que eu não conhecia, pagou um imposto qualquer com dinheiro e, depois de eu lhe entregar o troco, ficou postado diante do guichê me encarando. Após alguns segundos, lascou: "Eu não vou ganhar um cartão de natal? Estou sendo discriminado? O banco só entrega cartões se o cara for branco, negro ou amarelo, blá, blá, blá..." Parecia minha filha de 4 anos reclamando que não ganhou uma porcaria qualquer. Aí tive que interromper a ladaínha: "Olha um cartão para o senhor também, um feliz natal para o senhor e sua família, tenha um bom dia..."
Terça-feira, 10:02, uma mulher jovem que era a 2ª da fila tranca na porta por causa da bolsa e faz um escândalo com "E" maiúsculo. A primeira frase dela foi: "Quem é o gerente dessa merda que eu quero reclamar!!!" O vigia falou alguma coisa e ela mandou ver: "Vai tomar no cú, seu filho-da-puta!!!" e continuou um discurso de alto nível por um bom tempo...
Na quarta um sujeito chegou falando grosso no meu caixa, querendo que recebesse uma conta telefônica sem a fatura impressa, o que as normas não permitem mas, como o essencial é a transmissão correta dos dados, poderia autenticar qualquer papel para quebrar um galho pro cara. Mas aí já eram 15h passadas de um dia 20 de dezembro, quando muita gente tinha recebido o 13º salário e o meu saco, que não é o do papai-noel, já estava explodindo. Aí, vomitei no cara que eu não iria contrariar as normas e ele que pagasse a conta numa lotérica, num posto bancário, pela internet ou seja lá onde ele quisesse... e ele saiu bufando.
Na quinta foi a vez de uma senhora que na semana anterior eu havia atendido e que estava completamente atrapalhada pois seu marido estava mal no hospital. Nesta quinta, quando perguntamos pela saúde do cara, ela, muito emocionada mas aparentemente conformada, disse que ele havia tido um AVC (Acidente Vascular Cerebral, vulgo derrame) e dois infartos e que possivelmente não passaria daquela noite. Assim que ela saiu, olhei para meu colega e não perdoei: "esse daí vai passar o natal com Jesus... "