Na boca do caixa

Extrato diário da vida de um bancário, direto da Faixa de Gaza.

26.12.06

(Quase) tudo é relativo

Em 1938, Albert Einstein afirmou em um artigo que "Quando um homem senta ao lado de uma bela garota durante uma hora, parece que não durou mais que um minuto. Mas quando ele senta sobre uma grelha quente por um minuto, parece que durou mais do que qualquer hora. Isso é relatividade."
Agora imaginem a cena: primeiro dia útil depois de um feriado de Natal, ao meio dia o tempo de espera em torno de 20-30 minutos, chegando a 60 minutos perto das 16 horas. É de chorar, não?
Pois pelas 15:30 um jovem casal chegou na fila no maior amasso, só-love-só-love até chegarem finalmente ao caixa do meu colega. A moça queria sacar uma quantia em dinheiro com um cartão magnético de um outro banco - óbvio que não foi possível. O cara queria pagar um título de outro banco com um cheque de um terceiro banco, o que também não era possível. Pensei: as criaturas ficaram todo este tempo na fila sem necessidade nenhuma, agora vão montar num porco e fazer a maior esparrela. Surpreendentemente os dois acharam graça do causo e saíram abraçados da agência.
Moral da história: se tiveres que encarar fila braba, arrange um osso para roer enquanto espera...

24.12.06

É Natal, é Natal

Nesta época do ano, quando os espíritos se elevam em direção aos shopping centers, os bancos são assolados por hordas de consumidores que não vêem a hora de torrar o 13º em alguma bugiganga ou quitar suas dívidas o quanto antes.
Na segunda-feira recebi um punhado de cartões de natal do banco com a instrução de entregá-los aos clientes da agência pois não haveriam cartões suficientes para entregar a todos. Meio-dia, agência vazia, atendia eu um correntista quando, ao final, desejei feliz natal e entreguei um dos cartões que possuía. Atrás dele chegou um senhor idoso que eu não conhecia, pagou um imposto qualquer com dinheiro e, depois de eu lhe entregar o troco, ficou postado diante do guichê me encarando. Após alguns segundos, lascou: "Eu não vou ganhar um cartão de natal? Estou sendo discriminado? O banco só entrega cartões se o cara for branco, negro ou amarelo, blá, blá, blá..." Parecia minha filha de 4 anos reclamando que não ganhou uma porcaria qualquer. Aí tive que interromper a ladaínha: "Olha um cartão para o senhor também, um feliz natal para o senhor e sua família, tenha um bom dia..."
Terça-feira, 10:02, uma mulher jovem que era a 2ª da fila tranca na porta por causa da bolsa e faz um escândalo com "E" maiúsculo. A primeira frase dela foi: "Quem é o gerente dessa merda que eu quero reclamar!!!" O vigia falou alguma coisa e ela mandou ver: "Vai tomar no cú, seu filho-da-puta!!!" e continuou um discurso de alto nível por um bom tempo...
Na quarta um sujeito chegou falando grosso no meu caixa, querendo que recebesse uma conta telefônica sem a fatura impressa, o que as normas não permitem mas, como o essencial é a transmissão correta dos dados, poderia autenticar qualquer papel para quebrar um galho pro cara. Mas aí já eram 15h passadas de um dia 20 de dezembro, quando muita gente tinha recebido o 13º salário e o meu saco, que não é o do papai-noel, já estava explodindo. Aí, vomitei no cara que eu não iria contrariar as normas e ele que pagasse a conta numa lotérica, num posto bancário, pela internet ou seja lá onde ele quisesse... e ele saiu bufando.
Na quinta foi a vez de uma senhora que na semana anterior eu havia atendido e que estava completamente atrapalhada pois seu marido estava mal no hospital. Nesta quinta, quando perguntamos pela saúde do cara, ela, muito emocionada mas aparentemente conformada, disse que ele havia tido um AVC (Acidente Vascular Cerebral, vulgo derrame) e dois infartos e que possivelmente não passaria daquela noite. Assim que ela saiu, olhei para meu colega e não perdoei: "esse daí vai passar o natal com Jesus... "

13.12.06

Para entrar no Guiness

O ano está terminando e estamos chegando a marcas recordes de assaltos a banco aqui na Mui Leal e Valerosa Cidade de Porto Alegre mas nem tudo está perdido. Ontem, dia 12 de dezembro, completamos incríveis 365 dias sem assalto. Dá para acreditar? Tudo isto graças ao "ferrolho" da porta giratória e a fatores de logística que por enquanto não permitiram novos assaltos.
Para comemorar pensamos em fazer faixas como: Esta agência está com sorte. Um ano sem assaltos!
Mas daí ficamos com um receio: se eles não conseguem entrar "por bem" tentarão entrar "por mal", arrebentando tudo à marretada, tiros e o escambau. Outra forma menos amigável é a de render funcionários na entrada e esfregar a cara deles na porta até abrirem (fizeram isto na penúltima vez, quando um colega meu levou inclusive carinhosas coronhadas).
Isto faz da sala de auto-atendimento uma sala de pânico para funcionários: a nossa permanência nela é um alto fator de risco. Para vocês terem uma idéia, sempre que vou entrar fico observando o movimento na entrada, dou uma boa olhada lá dentro para ver se não há elementos estranhos e então abro a porta e, num lance que não leva mais do que dois segundos, dou um duplo twist carpado até a porta giratória e entro correndo na agência. O pior é quando finda o expediente e pessoas conhecidas vêm solicitar ajuda na sala e você não pode ir lá... parece má vontade, mas é só medo.

O final de uma epopéia idiota

Cara, dezembro é o fim. E ainda está só começando. As duas últimas semanas foram muito duras e ontem foi particularmente cansativo quando, após 427 autenticações, constatei que havia uma diferença de 40 paus... fiquei tão animado...
Quando temos uma diferença no caixa precisamos elaborar hipóteses que permitam uma busca frutífera e após uma rápida revisão, vi que teria que ir para a fita de caixa, olhando as operações uma-a-uma. Depois das 18h de um dia daqueles, 40 contos não valeriam tanto esforço. Levei a fita de caixa para casa, afinal 40 pilas dão alguns fardinhos de ceveja...
Lá pelas 7 e meia da matina do dia seguinte, sorvendo meu chimarrão, lancei-me à excitante tarefa de ver em quais das 427 operações eu tinha feito cagada. Achei depois de 20 minutos de procura e, vejam só, foi um erro de digitação.
O esperto aqui deveria ter somado R$ 43,56 e somou R$ 4,56 no lugar, comendo um 3. Já pensou nisto? Por não ter apertado uma porcaria de 3 eu estava ali, aflito atrás de uma diferença que poderia ter sido muito maior...
Este não era o maior problema. Depois de pesquisar no lixo de caixa, vi que se tratava de uma conta do Departamento de Água e Esgoto de Porto Alegre, vulgo DMAE, cujo canhoto em meu poder não continha nenhuma informação que pudesse identificar rapidamente seu dono. A partir do código do ramal d'água fui até o site da companhia e gerei uma 2ª via da conta, onde aparecia um endereço onde ir. No site do município consultei o mapa digital da cidade, onde vi que era numa vila umas 6 quadras da agência. Agora era só ir conversar com o cliente (que poderia me mandar deixar de ser trouxa e recomendar algo obsceno para fazer, sugestão esta que me deixava um tanto aflito).
Dentro dos meus 60 minutos de almoço, peguei minha moto e me desloquei até a casa indicada no mapa. Bati palmas e vi um rosto familiar abrindo a porta. Me identifiquei, expliquei o ocorrido e fiz minha melhor cara de coitado. A senhora era uma costureira que lembrou de pronto do causo e ainda achou muito estranho ter recebido um troco maior do que esperava. Simpática, me convidou para entrar e na mesma hora reembolsou a diferença... Ainda bem que ela era honesta.