Na boca do caixa

Extrato diário da vida de um bancário, direto da Faixa de Gaza.

19.6.06

Curtas: A cantada de morte

A colega ao lado atendia um sujeito prá lá de estranho, com uns quarenta e tantos anos, ruivo, óculos de grau, um sotaquezinho meio germânico e que não parava de lançar uma conversinha fiada prá cima da pobre.
Um elogiozinho aqui, outro ali, minha colega agüentando estoicamente aquele "chalalá" e eis que ele lança aquela que deve ser sua melhor cantada: Espero que a senhora nunca seja minha cliente... emendada com uma risadinha do tipo hãhãhã. Ela indaga: Ah, é? Porquê? Com um sorrizinho ele emenda: É que sou médico legista e trabalho no IML, HÃHÃHÃHÃ.
Cara, acho que só as "clientes" dele devem aturar uma conversinha dessas.

17.6.06

Pittboys atacam nas filas

Eles geralmente são irritados, falam alto, brigam por qualquer coisa, provocam, às vezes quase chegam às vias de fato, tocam o maior terror em dias de grandes filas e, detalhe importante, têm sempre mais de sessenta anos: são os pittboys da terceira idade.
É curioso como uma lei que os beneficia quase sempre é o mote para armar o maior barraco. Uma vez uma senhora estava aguardando na fila normal quando viu outra ir direto ao caixa especial que estava vazio e não se conteve: que pouca vergonha, furando fila, e por aí foi. A resposta veio direto: só porque a senhora é analfabeta ou retardada e não quis usar a fila preferencial eu não tenho culpa, e mais uns quantos desaforos foram desfiados de bate-pronto.
Uma vez achei que dois velhinhos fossem se agarrar pelos cabelos na primeira hora da manhã pelo mesmo motivo. Alguns não usam o direito e não querem que outros usem, chegando a provocações do tipo: se eu tivesse sua idade com a sua saúde teria vergonha de furar a fila, etc.
O curioso é que está surgindo um novo profissional: o office-avô. Como eles têm passe-livre para usar ônibus e filas especiais nos bancos, algumas empresas contratam os velhinhos para fazerem o papel de office-boys e pagar suas contas. Tem um senhor que religiosamente chega pelas 15 horas, cabelo e bigode tipo lacraia sempre bem tingidos de preto, óculos escuros, cumprimenta a todos sempre bem humorado e chega ao caixa com uma pilha de pagamentos de Pessoa Jurídica. Sempre puxa conversa sobre algum assunto do cotidiano e muitas vezes nos convida para algum baile para terceira idade que haverá logo mais. Uma figura esse senhor, pelo menos é do bem.

16.6.06

A última linha de zaga

Muitos se queixam dela, dos seus rigores, dos seus caprichos. Nós gostamos muito dela, achamos que ela é incompreendida, ignorada na sua natureza, mas vital para nossa segurança. Se não fosse por ela, teríamos um guichê só para atender a assaltantes. Apesar do seu ruído irritante (um agudo "biiiiiiiiii") assim mesmo vemos nela a última linha da zaga para nossa segurança pois, depois de transposta não há o que fazer. Quando ela detecta um metalzinho qualquer respiramos aliviados.
Ouvimos os palavrões abafados, os xingamentos, os protestos e toda a série de irritações que muitos clientes (eu mesmo fui barrado numa delas por causa de um CD de música) manifestam, as referências às mães dos seguranças e tudo o mais.
Mas às vezes o povo abusa. Dia desses uma senhora fez um escândalo com "E" maiúsculo porque a porta teimava em acusar o porte de metais. Ela afirmava categoricamente que não tinha nada consigo que pudesse justificar aquele "biiiii" irritante. Quando o segurança pediu para ver sua bolsa, entendeu a teimosia da porta. De fato, não havia nenhuma submetralhadora mas, em compensação, uma lata de refrigerante vazia, uma lata de extrato de tomate e uma tesoura não deixavam a porta mentir.
Outro dia uma senhora quase entrou em luta corporal com um segurança porque umas vinte pulseiras metálicas em seu braço faziam a porta apitar: "onde já se viu eu não poder me vestir como quero quando vou ao banco..."

13.6.06

Sabes com quem estás falando?

Seria mais um dia tranquilo, estréia do Brasil na copa, se não fosse por um imbecil. O elemento queria entrar portando arma de fogo na agência sem se identificar, somente porque ele era o sargento fulano de tal, estava fardado e sua viatura estava estacionada defronte à agência. O gerente (que nas palavras de um cliente é pau ferro), não aceitou as ameaças da otoridade e negou-se a permitir a entrada do elemento.
Depois de muito estardalhaço, o babaca deu voz de prisão para o gerente e para o vigia que estava controlando o acesso. Deu meia-volta e, todo irritadinho, voltou mais tarde para colher informações dos funcionários para fazer uma ocorrência.
Sabe por que eu acho que dá para confiar no bom senso da Brigada Militar? O Comandante do batalhão, que atua na região, estava nas proximidades e, na cara do tal sargento, lascou:
- em primeiro lugar, até eu me identifico antes de entrar naquela agência, é procedimento padrão;
- em segundo lugar, tu não és deste batalhão, portanto não atua nesta área e não devia estar naquela agência;
- em terceiro lugar, com essa tua barba mal feita, o gerente está coberto de razão em exigir tua identificação, pois nem pareces oficial da Brigada.

E mais não disse.

O pequeno Osama

Quando você pensa numa criança, o que lhe vem à mente? Candura, risadas, brincadeiras, inocência... Ledo engano, meus amigos. No verão passado, uma senhora aproveitava a agência vazia para enumerar para nós as qualidades do seu netinho, pirralho este que não parava quieto um só minuto. Conversa vai, conversa vem, eis que o menino põe sua diabólica cachola para funcionar: aproveitando um descuido da platéia, ele pega uma bombinha do bolso e BUM! Estoura-a no meio da agência! Você pode imaginar isto? Eu felizmente estava numa outra sala e escapei dos estilhaços mas, meus colegas, coitados, tiveram uma violenta reação intestinal.
Seria apenas falta de bom senso? Não, acho que não. Esse guri, sabendo que estava na Faixa de Gaza, ficou com grande inspiração para cometer o atentado e não se conteve. Guantânamo nele!

11.6.06

Emoções antigas

Recebi esta importante contribuição de um colega de infortúnio, veja só a dimensão histórica do sofrimento da categoria... boa leitura.

Bibliografia: FRANCO, Sérgio da Costa Franco. O caixa e as emoções. Correio do Povo, Porto Alegre, 30 maio 1975.

O caixa e as emoções

Foi uma dessas invenções pouco razoáveis dos administradores de empresa: a beneficio de sua clientela, alguns bancos resolveram criar uma figura de caixa ecumênico ou enciclopédico. Ele recebe e paga, conta dinheiro, confere cheques, verifica saldos, calcula taxas, despacha ordens de pagamento, fiscaliza assinaturas. É o faz-tudo do sistema bancário.

Imagino que essa diversificação de encargos, a exigir grande dispêndio de atenção, seja terrivelmente desgastante. As técnicas da divisão de tarefas, nascidas com o taylorismo, tinham em vista automatizar o trabalho, tornando-o fácil e, em conseqüência mais produtivo. Quando se repete metodicamente os mesmos gestos e as mesmas operações, forma-se no correr do tempo uma linha de reflexos condicionados, que tornam menor o gasto de energias físicas e mentais.
No meu tempo de bancário, um caixa se incumbia apenas de pagar e de receber, praticando um mínimo de outras operações acessórias. Estava livre do balcão, do diálogo com o cliente, das reclamações e das dúvidas. Seu negócio era apenas o dinheiro, o troco, a "reserva", os atilhos de borracha, as cédulas dilaceradas.
Agora, entretanto, vejo o caixa executivo lançado ao torvelinho de todos os dramas humanos do balcão:
Então o patife me aplicou um cheque sem fundos?!
Como é que eu vou passar o mês com cem cruzeiros?
O senhor pode ver se ele já pagou a minha pensão alimentícia?
Já entrou a folha das pensionistas do Correio?
A velhinha alquebrada que vai ao guichê à procura de seu montepio centraliza nele a sua vida: o Banco não faz coisa mais importante que o lhe pagar essa migalha mensal.
A mulher feia e mal amada, todos os meses em busca da pensão alimentícia que lhe paga o marido estradeiro, transfere para o caixa executivo o seu ódio aos varões, se a pensão se retarda ou se desfalca.
Co-responsável pelos atrasos dos devedores, pelas exigências da burocracia, pela parcimônia das pensões, vive o caixa-executivo sob o assalto das emoções feridas. E até não sei como ele possa, sob esse clima tenso, contar e guardar o dinheiro dos outros.

8.6.06

Chegando na sexta, ufa

Cara, nunca imaginei que o trabalho de caixa de banco fosse tão, tão, tão maçante. É sempre a mesma rotina acelerada e repetida, repetida, repetida e, de preferência, sem erros. Sabe aquele filme do Chaplin, Tempos Modernos? É bem parecido, só que ao invés de apertar parafusos, autenticamos documentos. Eu, que sou iniciante, faço uma média de 300 autenticações por dia, chegando a picos de 450/500 em dias de fúria.
Quando chego em casa, autentico minhas filhas, minha esposa, cachorros, gatos e por aí vai...
Hoje à noite, na sala de aula, levei 4 cotoveladas de uma colega entre as oito cochiladas que dei. Não é mole...

7.6.06

Fugindo do inferno

Eu sei, fila é foda. Nem eu gosto mas o fato de se concentrarem as idas em determinados dias torna impossível evitá-las. Para dar uma dica, pense assim: a) dos horários, evite o primeiro e o último; b) dos dias da semana, evite o primeiro e o último; c) dos dias do mês, evite os 5 primeiros dias úteis, os dias 10 e 20 e os três últimos do mês.
O que sobrou? Gente, não se estresse, se tiver mesmo que ir ao banco, prefira ir entre os dias 11 e 19 ou 21 e 27, geralmente é super light. No horário do meio-dia, mais light ainda. Lembre-se: quando a cabeça não ajuda, o corpo padece.

6.6.06

Cada um que aparece...

Não dá para acreditar nas figurinhas que aparecem diariamente num banco. Alguns têm uma cara de pau tamanha que mereciam participar de um concurso. Hoje um motoqueiro ganhou muitos pontos ao colocar uma mulher grávida na fila no seu lugar e, quando foi necessária sua assinatura, levantou-se da poltrona onde estava sentado, furou a fila, assinou seu documento e se mandou, ambos rindo dos demais. Semana retrasada foi comigo. Estava trabalhando com minha cabecinha abaixada quando surgiu aquela senhora, pagamentos em punho, para ser atendida. Quando fiz menção em receber seus documentos, a turba se rebelou em uníssono. Só então compreendi que a singela senhora havia saltado olimpicamente do fim da fila dos idosos para o meu guichê, sem escalas. Sabem o que ela disse? Moço, eu quero ser atendida agora. Eu não sou idiota como estes aí para ficar aguardando na fila... se eles são bestas de ficar esperando, eu não sou: quero ser atendida agora. E desfiou mais um rosário de impropérios ante os protestos do pessoal da fila.
Cara, nos primeiros segundos fitei aquela figura bizarra, que parecia uma apóstola devota da Lei de Gerson. Falei tranquilamente: minha senhora, eu não posso e não irei lhe atender na frente das outras pessoas da fila. A senhora queira por favor aguardar a sua vez. É mole?

3.6.06

Bruxas à solta

Ontem não foi o dia das bruxas, mas parecia. Duas agências na Faixa de Gaza foram assaltadas. Aumentou bastante o movimento de clientes que não puderam ir nestas agências e passamos a sexta inteira com os nervos à flor da pele. Felizmente terminamos o dia sem maiores sobressaltos mas o desgaste foi tão grande que cheguei em casa, tomei uma cervejinha e dormi longas doze horas, com dores lombares inclusive. Ah, ainda dizem que vida de bancário é uma barbada...

2.6.06

Os atributos da morena

Dia desses meu colega ao lado atendia uma morena, muito bonita, simpática e coisa-e-tal. Reparamos que enquanto a moça estava no caixa, um segurança (pessoal, jamais chame um segurança de banco de "guardinha", eles ficam putos) não tirava os olhos da distinta cliente. Lá do seu cantinho meio escondido percebemos que até a hora da moça ir embora seus olhos não miraram outra coisa.
Assim que ela foi embora, meu colega chamou-o sorrindo e disse: E aí, o que achou daquela morena? Sem esboçar a menor graça, o segurança começou a enumerar: ela chegou num Tempra preto com tantos caras dentro, deram 3 voltas defronte à agência antes dela desembarcar, ela entrou na sala de auto-atendimento, simulou uma operação nos caixas eletrônicos, deu uma boa olhada para dentro da agência e só depois entrou. No dia anterior ela veio num Uno Mille verde metálico e fez assim, assim, assado...
Olhamos um para a cara do outro, cocei minha cabecinha e pensei: na Faixa de Gaza não dá nem para se distrair um pouquinho...