Na boca do caixa

Extrato diário da vida de um bancário, direto da Faixa de Gaza.

31.1.07

Da série "Tipinhos Incríveis" I

Hoje chegou ao meu caixa um cara que todos os meses se apresenta para pagar suas contas de forma organizada. Você não entendeu o que significa a palavra "organizada" neste contexto. Ele é administrador de empresas e chega com a camisa abotoada até em cima e traz suas contas todas discriminadas numa folha de ofício escrita à mão. Detalhe: além de discriminar o valor das suas contas (umas 15) ele discrimina o valor exato que quer levar em dinheiro, listando exatamente com o que pretende gastar o dinheiro, tipo assim: tantos reais para ração para os cachorros, tantos reais (com centavos) para o remédio tal, etc.
Na realidade eu admiro aqueles que possuem um senso de organização que facilitem sua vida mas acho que neste caso o lance é mais patológico. Coisa de contador tarado. Ele parece aquele personagem de um seriado que atualmente passa na Record nas sextas à noite, chamado Monk. O cara é um investigador que sofre de TOC (Transtorno Obsessivo Compulsivo) e não perde nenhuma oportunidade de manifestar esta doença.

Da série "Tipinhos incríveis" II

Tem um cidadão que vêm frequentemente ao banco, tipo 2 ou 3 vezes por semana. Bate o ponto mesmo. Mas tem uma particularidade: sempre, seja pela manhã ou pela tarde, este senhor está com um palito de dentes no canto da boca, sempre. Aquele palito dançando pela boca de forma obscena dá uns calafrios na espinha, mas este não é o problema. Ele sempre esquece a senha do cartão e fica bronqueando com o banco. Já está na 8ª via do cartão solicitado e não adianta, ele sempre esquece. Vou sugerir a ele que grave sua senha no palito de dente, aí não terá erro.

27.1.07

Comendo contra o relógio

Ser bancário tem uma particularidade interessante: quando você precisa ir à um banco, não pode ou tem que sacrificar o almoço para isso. Não é irônico?
Por falar em almoço, você sabia que o pessoal que, de fato, cumpre jornada de 6 horas tem apenas 15 minutos de almoço? Já imaginou você chegar no restaurante e devorar a comida em menos de 15 minutos e voltar correndo para o trabalho?
Bem, como o escravo aqui trabalha mais que 6 horas, tem o direito de fazer um intervalo de cravados 60 minutos. Considerando que no bairro em que trabalho não existem restaurantes decentes (no único das redondezas em que botei os pés tive que disputar o controle do meu prato com as moscas que queriam levá-lo), preciso me deslocar uns 3 Km em direção à civilização para poder encher minha barriguinha com satisfação. Então sobram uns 30 minutos para esta barbárie e, se precisar dar qualquer outra volta, o almoço dança, como ocorreu hoje.
Cheguei de volta varado de fome, sabendo que teria que aguentar mais umas 4 horas de jornada à base de café doce, água mineral e um punhado de balas-de-batuque (aquelas de sabor mel) que um bodegueiro amigo das vizinhanças deixou de brinde.

Mais um dia de cão

Terminamos o atendimento ao público e começamos o trabalho de retaguarda quando fomos surpreendidos com a informação da polícia de que havia um veículo com quatro elementos que, de acordo com o grampo telefônico, iriam fazer um saque à mão armada na nossa agência! Foi uma loucura autenticar tudo e despachar todo o dinheiro que tínhamos em nosso poder para o cofre antes que os visitantes chegassem. Os vigias colocaram um balcão dentro da porta giratória para impedir uma entrada triunfal mais fácil, mas mesmo assim a agitação impregnou o ar. E, para ajudar, não bastasse a fome, o medo do assalto, as dívidas para pagar e o cansaço, apareceu uma diferença de 80 pilas no meu caixa... Todos os palavrões da língua portuguesa foram lembrados no momento em que vasculhava as possibilidades de erro. Somei tudo, vasculhei minha fita de caixa e nada. Já me preparando para relaxar diante do estupro iminente, abro o saco onde guardo minhas moedas e vejo cair no chão um punhado de cédulas dilaceradas (rasgadas) que totalizavam... 80 reais. Que dia maravilhoso, meus amigos, que dia.

18.1.07

Ondas que afogam

Desde os anos 90, quando as ondas de fusões, aquisições e privatizações tornaram o mercado bancário no país extremamente concentrado, a categoria bancária vive em sobressalto. Isto porque além da modernização tecnológica que já desempregou centenas de milhares de trabalhadores, estes processos resultam quase sempre em enxurradas de demissões e fechamento de agências. Tudo em nome da eficiente maximização dos lucros.
Na semana passada foram dois grandes bancos privados, agora a navalha brilha no RS. O engraçado é que as promessas da campanha da eleição passada parecem pegadinhas do Faustão: exatamente o que se negava "peremptoriamente" está sendo cumprido à risca.
Nuvens carregadas cobrem o horizonte da categoria mais uma vez...

16.1.07

Tempo de esperar, tempo de punir

Hoje foi um dia tedioso, quase jogamos dominó nos caixas. Mas ontem, não. Nas segundas-feiras os bodegueiros de toda a região pagam fornecedores, o pessoal que largou cheque-atleta (aqueles em que corremos ao banco para cobrir seu fundo) durante o fim-de-semana e outros desocupados chegam aos borbotões. Alguns estúpidos também. Ao chegar na triagem da porta giratória, um senhor de uns 70 anos pede para ir na fila dos idosos, passando à frente dos que estavam fora da agência mas, estando lá dentro, acha melhor furar a outra fila. O vigia pede que ele respeite a ordem de chegada e fique na fila dos idosos. O estagiário faz um apelo semelhante e ele lasca: "não saio daqui, daqui ninguém me tira". Então tá.
Estava atendendo a fila do furão e, quando chegou sua vez, pedi: "o senhor poderia aguardar um minutinho?" e saí dali. Primeiro fui falar com um colega sobre como estava o mar no sábado, quão limpa e gelada estava a água na praia naquele fim-de-semana. Fui então ao banheiro e, após fazer o indispensável, fui falar com outro colega para discutir um assunto qualquer. Peguei então um cafezinho e, ao saboreá-lo, comecei a pensar sobre a origem do universo e a natureza humana. Depois de uma profunda reflexão de uns 10 minutos, lembrei-me do idiota da fila e fui então na sala onde estão os monitores das câmeras de vídeo interno para ver a cara dele e como seria a melhor expressão facial da impaciência. Voltei então ao caixa em "slow motion" para não me estressar e, como já havia chegado a vez do sujeito na fila dos idosos, ele acabou sendo atendido no tempo adequado.
Mais tarde, ao relatar o ocorrido ao gerente e pedir um conselho sobre como proceder, ele disse o seguinte: "nós não podemos nos negar a atender este tipo de pessoa, mas atenda ela bem devagar..."
Tive aquela sensação bacana do dever cumprido.

3.1.07

O mais longo dos dias

As pessoas mal-informadas fazem como as que, na sexta passada, em pleno recesso bancário determinado pelo Banco Central, reclamavam que o banco não abriria naquele dia. As comodistas não. Estas fazem como as milhares que deixaram para a última hora (algumas o último minuto) para pagar seu IPVA e o IPTU com desconto ontem. Elas pagaram mais do que o tributo, pagaram os seus últimos pecados, com multa.
O pior é que não adianta advertir. Na semana passada eu falei para diversas pessoas: "não venha na terça que será um inferno", mas não adiantou. O povo esperou de 1 a 2 horas na fila, isto porque a fila da minha agência, que é pequena, foi das menores. Soubemos que agências maiores terminaram seu expediente depois das 22 horas... Mais uma vez o dito popular não falhou: "quando a cabeça não ajuda, o corpo (literalmente) padece".
O lado positivo foi que, apesar do horror, fechamos os caixas sem erros e terminamos tudo às 19 horas, sem infartos.